Crônicas da minha infância...

Construía tudo isso com meu brinquedo favorito - o LEGO.


Imaginação, heróis e ETs

A infância e suas criações: Algumas absurdas e inexplicáveis, outras de uma riqueza incrível de detalhes, detalhes que fazem toda diferença quando se é criança, por que é nessa fase que surgem os “porquês” da vida, perguntas que fazem toda a diferença na hora de se usar a melhor ferramenta da infância: A imaginação.

Recordo-me bem de passar horas sentadas criando meu “mundinho” paralelo, no qual era o senhor de tudo, e dono do mundo, mas não por que se deixava levar pela soberba, longe disso, e sim por que eu me sentia acolhido nesse lugar imaginário, onde não existia dor e nem medo, somente heróis, vilões, princesas, ETS e monstros do armário.

E nessas aventuras e campanhas de guerra, sempre era o herói resgatando a princesa de cyborges guspidores de fogo ou de Aliens vindos do planeta ARGON36, isso quando não tinha uma invasão de centopéias gigantes, daí o bicho pegava.

Lembro também dos aventureiros e suas formações de batalha absurdas, no qual um herói era obrigado há enfrentar um dia inteiro de batalhas apos batalhas só pra salvar uma mera “princesinha” que só sabia gritar HELP. – É de fato a imaginação não faltava, né!?

Nasci na época digital, onde a tecnologia começava a sua predominância e os computadores começavam a dar as caras, mas posso dizer que soube aproveitar bem minha infância: Jogando bolita, passando horas brincando de pega pega, os campeonatos de futebol na rua, as histórias de terror que os garotos mais velhos contavam e que nunca me assustavam, momentos inesquecíveis.

E o que torna tudo isso inesquecível é o fato de que nessa época eu só tinha que me preocupar com isso, criar, e mais nada. E se pudesse viveria o resto da vida criança, como nas histórias de Peter Pan, viveria. – Enfim foram esses e outros fatores que me dão o gostinho de dizer: “Sim, eu tive uma infância feliz.”

- FIM -



O dia que fugi de casa

Toda criança gosta de fazer “piraça” e eu não era diferente, também tinha minhas manias de criança, como desmontar brinquedos e desenhar em quase tudo que via, mas sempre fui bem tranquilo, tanto é que nem pra tomar injeção eu chorava, até hoje ainda me lembro de ficar por horas sentado no sofá ou no que chamavam de “chiqueirinho”, mas aos quatro anos de idade aprontei uma que poucas crianças dessa idade aprontariam – Fugir de casa. E foi assim que se sucedeu:

Um dia qualquer de Abril de 1993 – Depois do meio dia

O sol queimava lá fora no quintal e eu parecia uma jibóia estirada no sofá, digerindo um almoço um tanto quanto exagerado da minha parte, eu sabia que não deveria ter comido tanto, mas a gula falou mais alto e ali estava eu decidido a não sair do lugar tão cedo, além do mais o calor me deixava mais preguiçoso ainda.

Mesmo aconchegado no sofá da sala eu ainda assim me sentia só, não que não gostasse da companhia da minha babá que coincidentemente também era minha vó de sangue, mas é que desde pequeno sempre fui apegado demais a minha mãe de criação, e isso me deixava angustiado e com uma tremenda indigestão, e quanto mais tentava relaxar, mais eu se lembrava do quanto eu sentia falta dela.

Sabia que minha mãe saia todo dia por que tinha que sustentar a casa, mas com quatro anos de idade o dinheiro era o que menos importava, por isso se ela ficasse em casa o dia todo, me bajulando como sempre, eu não reclamaria. E quanto mais pensava nisso, mais crescia a vontade de encontrá-la, foi pensando assim que do nada me veio um devaneio, uma ideia, e um questionamento: - Por que não ir atrás dela, não deve ser tão difícil encontrá-la, deve?

Passei a tarde toda pensando nisso e cuidando todos os movimentos da minha avó, acreditando que uma hora ela teria que ir ao banheiro, dito e feito, depois de 4 horas a natureza resolveu chamá-la, fica aqui um estante Julinho, a vó já volta. – Disse ela ao se levantar.

Morávamos ao lado de um terreno equivalente a uns três hectares, de grama alta e muito mais muito mato, quase não se enxergava um adulto dentro dele, imagine então uma criança, e foi por esse terreno que escapei, passando por uma falha na cerca de madeira.

Ainda me lembro da adrenalina de estar fugindo de casa, mas não podia voltar atrás, eu tinha uma meta, encontrar minha mãe. E assim prosseguia minha fuga passando agora por uma ponte de madeira, e indo até a rua que supostamente seria onde minha mãe trabalhava, e foi nesse instante que me lembrei de uma coisa, Eu só sabia que ela era cozinheira, mas não me lembrava de ter perguntado onde era isso?

Foi nessa hora que pensei, acho que não deveria ter fugido, não sem saber quase nada sobre o trabalho dela, parei, balancei a cabeça e continuei a caminhada sem rumo na busca de uma luz, nesse sobe e desce de ruas notei que alguém me observava dentro de um carro, e isso era tenso, gelei.

Ei garoto, aonde vai com tanta presa? Perece perdido? – Disse um cara de cabelos brancos que dirigia o tal carro, que me seguia.

Na hora confesso, levei um susto e tanto, parei, olhei bem nos olhos dele e disse: - Não senhor, eu to procurando minha mãe, sabe onde ela trabalha?

Depois de alguns minutos de conversas e perguntas ele decidiu me ajudar na busca, fomos até a delegacia, e lá me fizeram um monte perguntas, eu parecia um fugitivo procurado passando por um interrogatório. Foi engraçado toda aquela atenção voltada a mim.

Fiquei ali o resto do dia, brincando de adivinhação com a secretaria que cuidava da parte de digitar, ou melhor, datilografar as confissões.

No fim deu tudo certo, eu reencontrei a minha mãe e levei a maior bronca da minha vida, já em casa depois de mais um pouco de bronca, eu foi tomar banho, depois na hora da janta finalmente perguntei onde minha mãe trabalhava, ainda com a faca na mão ela me deu aquela olhada direta e me disse: “Tira esse sorrisinho do rosto e nem pense nisso, senão tu já sabe.” – É fugas nunca mais.

- FIM -

mão-pelada (Procyon cancrivorus)

A lenda do terrível mão pelada

Toda infância tem algo em comum, e uma delas são as artimanhas que os mais velhos usam para incentivar as crianças a obedecerem regras, normalmente histórias sobre aberrações e contos da “carochinha” como, por exemplo, a história do velho do saco que vinha buscar criancinhas arteiras. E levava embora dentro de um saco pra sabe se lá onde.

E na rua onde nasci não foi diferente dos meus 7-8 anos de idade eu ouvia histórias parecidas, umas delas era chamada de lenda do mão pelada, que claro não passava de uma história contada pelos adultos na intenção de assustar as crianças arteiras que tinham a mania de fazer “birra” pra entrar em casa. “Entra de uma vez, senão o mão pelada vai ti pega!” – Diziam eles.

E foi numa dessas noites de arte, coisa normal pra idade, que dei de cara com o tal do mão pelada, que até então imaginava (com a minha imaginação bem pouco fértil) que seria como uma mão decapitada e iluminada feito à lua, algo meio tosco e improvável (mas né?!) eu como era criança procurava leva tudo ao pé da letra. E o mão pelada pra mim era isso. E assim se sucedeu:

O encontro – 19 de Dezembro de 1997 - 11h30min da noite

Era uma noite quente de férias de verão, eu pra variar estava sozinho na rua, por que todos meus amigos tinham ido viajar para alguma praia qualquer e eu já tinha voltado de Capão da Canoa, praia onde sempre veraneio, e como toda sexta feira era dia de agito na rua minha mãe não se preocupou muito com o horário que já se aproximava da meia noite, horário meio impróprio pra uma criança de sete anos, mas uma das minhas maiores diversões de infância era não seguir regras, e foi nesse meio tempo que o encontro inusitado ocorreu.

O cansaço já era dominante, mas a vontade de entrar em casa era mínima, sozinho olhava em volta procurando não se sentir só, a rua era um tanto quanto chamativa com seus barulhos longínquos, com uma buzina ali, o barulho de galhos quebrando aqui e o som estranho de algo que vinha de um terreno baldio logo à frente, espera ai, som estranho? – medo
Procurei manter a calma, afinal havia muitos gatos na vizinhança, deveria ser só mais um, olhei mais uma vez à volta, e só via o contorno de sombras que deixavam o terreno mais assustador ainda. Meu pé tremia e meu coração estava a um passo de sai pela boca, não pode, pensava eu na tentativa de não admitir que talvez as lendas sobre o tal mão pelada fossem verdade, seria possível que ele realmente veio a minha caça?

A lenda era sobre uma criatura que vinha atrás de crianças desobedientes, e agora pensando bem eu era uma delas, se bem que a culpa era da minha mãe que tinha se esquecido de me chamar. O susto foi maior ainda quando do nada me surge um grunhido vindo do meio do mato, e acredite nunca mais ouvi nada tão estranho quanto aquilo, por que não era bem um grunhido, parecia ser mais um chamado, tipo um agouro vindo do além ou algo parecido.
           
Arranquei coragem não sei da onde e me aproximei da beira do mato, foi quando o vi ali parada em cima de um toco podre no chão, não acreditei no que via, seria mesmo o tal mão pelada que tanto falavam, mas me parecia tão estranho e aparentava ser tão inofensivo, era parecido com um gambá só que a pelagem clara o diferenciava e nas patas dele não se viam pelo o que agora fazia sentido afinal o nome do bicho era mão pelada.

Só tive certeza que era realmente o bicho por que me lembrei das histórias sobre o grunhido ser parecido com um agouro infernal, mas espera um pouco, pensei, é disso que estou com medo? De uma criatura que tem mais medo que eu?
Na hora me senti uma besta completa, e de tanta frustração fui pra casa, só que com um pensamento em mente: “Bem, desvendei a tal lenda do mão pelada, mas agora preciso de uma cueca nova!”


- FIM -